MANIFESTAÇÕES AFROBRASILEIRAS NO ACRE NUM CONTEXTO DE SUSTENTABILIDADE
Prof. José Rodrigues Arimatéia*
As manifestações da cultura africana e afrobrasileira no Estado do Acre datam de bem antes da década de 60 do século passado, e têm na Religiosidade de Matriz Africana e na prática da capoeira seus principais expoentes nesse trajeto histórico.
A cultura hip-hop, e o grafite como expressões urbanas, surgem é claro, juntamente com o conceito e a cultura urbana de nossa cidade que ganha força na década de 80, sem desconsiderar é claro o contexto e as exceções de toda a regra.
Vendo a capoeira como uma manifestação plural, onde aí de inclui o maculêle, o samba de roda, o fazer dos instrumentos de corda e de batuque e até mesmo a confecção de roupas e figurinos, vemos um setor que dentro dessa evolução temporária, marchou muito bem para uma forma de auto-sustentabilidade. A capoeira hoje no Acre chega a produzir uma imensa parte do que se precisa para existir enquanto manifestação cultural.
A nosso ver, e isso de maneira muito particular, isso se dá no momento histórico onde foi esquecida, de forma deliberada em alguns casos, ou de forma inconsciente em outros, a relação íntima entre a capoeira e a religiosidade. O terreiro foi o “asilo” político tanto da capoeira, quanto de outras manifestações da cultura africana proibida pelo Estado brasileiro, e entre elas a própria educação baseada na história do seu povo.
Inúmeros são os cordões e as ligas de capoeira que resistiram e nunca cederam a essa pressão, que tiveram até seus grandes mestres presos, e, contudo mantiveram-se firmes e fortes na defesa de nossa cultura.
A distancia ou a negação de ventre religioso, gera crise de identidade e de auto-definição; o debate aqui no Estado, quando da criação do sistema municipal de cultura de rio branco, mostrou essa indefinição de identidade cultural, no que diz respeito aonde inserir a capoeira; surgem propostas de incluí-la como esporte, como dança e também como arte marcial. Propostas essas, é claro, feitas muitas vezes por leigos no assunto. Os mestres presentes, conhecedores e guardiões da cultura, encaminharam o debate para o lado certo, considerando cultura, história entre outros elementos e mostrando que na cultura afrobrasileira, o saber e conhecimento milenar sempre irão prevalecer.
O que se analisa aqui de forma isolada, é que de certa forma, inconsciente ou não, esse afastamento da capoeira de seu ventre religioso, o colocou em um patamar mais aceitável dentro da sociedade dominadora branca, européia e católica, que até hoje nos domina; e com certeza isso possibilitou a capoeira certa mobilidade social. Independente da classe econômica, credo (?), posição social etc., a prática da capoeira está disseminada no País e no mundo, e em alguns casos em que se precisa do apoio do poder público para manutenção e realização de eventos, o que se ver é essa verba pública ir diretamente para a capoeira, devido haver uma contratação de mestres e ligas e cordões mais renomados e antigos, para abrilhantar e qualificar as atividades de ligas mais recentes e menos reconhecidas (por enquanto). Temos a absoluta convicção que esse é o caminho certo da auto-valoração.
Contudo, deixemos bem claro que ainda falta muito para o poder público fazer pela capoeira em nosso país, e dentre essas ações, a questão da inserção da capoeira dentro do sistema de ensino, na forma que os mestres debatem há muito tempo, já é um bom início.
O que nós vemos nas manifestações das Religiões de Matriz Africana, em nosso Estado, levando em conta o contexto de sustentabilidade é uma forma muito diferente de concepção.
Se levarmos em conta que a cada dois meses (algumas épocas menos), temos aqui uma festa de saída de santo, ou uma feitura de santo; percebemos que quase toda a indumentária, os paramentos e etc., são comprados fora de nosso Estado.
Percebemos que urge a necessidade de organizarmos uma cooperativa ou algo do tipo, para que seja possível reduzir custos e se manter a cultura afrobrasileira em nosso estado dentro de uma estética e de uma beleza que lhe é peculiar.
O CERNEGRO/AC – Centro de Estudos e Referencia da Cultura afrobrasileira no Acre, há muito luta para realizar projetos de auto-sustentabilidade para nossas casas de santos, searas e terreiros diversos no que diz respeito à confecção de roupas, paramentos, utensílios entre outros, como também lutamos para dentro dessa diversidade imensa, sermos reconhecidos como cultura afroamazônica aplicando a utilização de nossas sementes em nossos cultos, guardando é claro todas as proporções e limitações litúrgicas.
Cremos que somente com uma intervenção, e com subsídio público que considere o aspecto cultural envolvido, poderemos caminhar na direção de uma sustentabilidade que nos garanta a preservação de nossa identidade; um espaço restrito e tênue, onde o sagrado e o profano continuem sendo os elementos basilares de uma cultura milenar: A cultura Africana.
ALGUNS DADOS DA PRESENÇA DA CULTURA AFROBRASLEIRA NO ACRE:
Capoeira: dentre os 22 municípios de nosso estado, cremos que a capoeira se faz presente em sua esmagadora maioria. Dentre as organizações, destacam-se a liga de capoeira, o cordão de ouro e a federação de capoeira, que podem ser contactadas através da fundação Garibaldi Brasil (68) 3224-0269.
Matriz africana: Existem casas de santo de candomblé das nações djedje e ketú, searas, umbanda e outras manifestações conhecidas nos municípios de Xapurí, Senador Guiomard, Cruzeiro do Sul e na capital Rio Branco. Não que não existam nos demais municípios, mas a CERNEGRO/AC (68-9984-1547) e até onde nós sabemos a fundação de cultura de estado (FEM), têm conhecimento oficial dessas manifestações nesses municípios citados, até porque, essa política ainda é incipiente em nosso Estado.
Hip-Hop: Existe um movimento muito bem organizado de hip-hop em nosso estado, que também busca chegar à auto-sustentabilidade, mas que já realizou eventos fora do Estado e que também conta com o apoio das fundações de cultura do município e do Estado para se manter. Uma das sedes fica no bairro do São Francisco, e o contato é com o Augusto ‘’comparsa’’, parceiro de toda hora (68-9979-0112)
Samba: Como se diz aqui no Acre: ‘’samba samba mesmo faz o Roda de Samba. ’’ Esse é o grupo que de forma autoral ou interpretando grandes mestres, mantém acessa o chama do samba de raiz em nossa capital, e por não se render aos apelos de mercado, luta para se auto-sustentar produzindo com a qualidade que lhe é peculiar.
Dentro de uma análise rápida, sem muitos pormenores, hoje está assim o quadro situacional que quem vive a cultura afrobrasileira dentro da perspectiva da sustentabilidade, torcemos para melhora desse quadro e contamos com parceria para isso.
*Professor de História, fundador e presidente da CERNEGRO ACRE
*Coord. executivo da Rede Amazônia Negra; coord. da CARMAA;
*Chefe da divisão de promoção igualdade Racial SEJUDH/ACRE
Obs. do Blogueiro: Gostaria de agradecer ao Grande Arimatéia pelos elogios ao Grupo Roda de Samba e deixar bem claro que isso que fazemos é tentar resgatar um pouquinho da dignidade do samba enquanto ferramenta cultural, nossa música é de origem africana com muito orgulho!