quarta-feira, 23 de novembro de 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ZECA TORRES II - Um sambista acreano

José Evangelista Torres também conhecido como Zeca Torres Pequeno devido a sua pequena estatura e para diferencia-lo do Zeca Torres I (o compositor anterior) que era alto. Além do nome, os dois Zecas Torres tinham mais uma semelhança, o extraordinário talento musical. Mas as coincidências acabam ai. Zeca Torres II tinha um temperamento completamente oposto ao primeiro. Além de adorar uma bebida, seu estilo musical era alegre e popular, onde predominavam sambas e marchas. A todo momento durante essa pesquisa deparávamos com as histórias do Zeca Torres Pequeno. Ou seja, por seu estilo de vida, ele tornou-se um personagem folclórico da musica acreana...


 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Zeca Torres 1

Ao visitar o blog do professor Marcos Vinícius tive a felicidade de ler uma postagem sobre o Zeca Torres, considerado um dos melhores músicos que já existiu no Acre e o texto fala um pouquinho sobre samba, conheçam a história do Zeca Torres clicando AQUI

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ismael Silva explicando a diferença entre seu samba e o samba de Donga

Ismael Silva falava que a música feita por Donga não era Samba e sim Maxixe. Donga dizia que a música de Ismael era Marchinha e não Samba. Não importa! Na verdade os dois tipos de samba foram e são importantes para a cultura do samba no Brasil. Mas vejamos esse vídeo maravilhoso de Ismael Silva, explicando um pouco desse debate.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A VERDADE SOBRE O SAMBA OU APENAS UM ESCRITOR LOUCO?

Indico aos caros Bambas a leitura da parte do livro de LEANDRO NARLOCH, GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL, que cita o samba, só para excitação inicial dos leitores adianto que o escritor chega a indicar que o início da história do samba no Brasil tem profunda influência fascista e também escreve que os primeiros bambas do Brasil, como: Pixinguinha, Donga e Sinhô não tinham o mínimo de preocupação com a cultura do samba, na verdade queriam mesmo era vender, ganhar dinheiro, ao final ele explica os dois estilos de samba (Donga X Ismael Silva) com a descrição de um diálogo maravilhoso entre os bambas, o texto é longo, mas vale muito a pena. Leiam!

SAMBA E FASCISMO

Um traço comum no carnaval de diferentes épocas e países é o de virar as regras do avesso. Durante as festas pagãs da Roma Antiga, que deram origem ao carnaval cristão, escravos e seus senhores invertiam os papéis: por um dia, eram os servos que mandavam. Uma inversão parecida acontecia na Idade Média. As pessoas faziam missas e procissões cômicas - no lugar dos padres, guiavam as cerimônias religiosas personagens bizarros como o Rei Momo. A véspera da quaresma liberava os foliões para tirar um sarro dos próprios costumes religiosos e da Igreja, autoridade indiscutível daquela época. Não havia tantos papéis trocados nos primeiros carnavais do Brasil, mas uma reviravolta de comportamentos também tomava conta.

Durante as festas conhecidas como entrudos, as pessoas atiravam bolas de cera nos outros e faziam guerrinhas d’água pela rua. Em 1832, ao visitar o carnaval de Salvador com dois tenentes da Marinha britânica, o jovem inglês Charles Darwin se assustou com os perigos do carnaval baiano. ”Estes perigos consistem principalmente em sermos, impiedosamente, fuzilados com bolas de cera cheias de água e molhados com esguichos de lata. Achamos muito difícil manter a nossa dignidade enquanto caminhávamos pelas ruas”, escreveu Darwin em seu diário. Por quase todo o país, a polícia até tentava conter os entrudos, mas raramente conseguia. A festa dura até hoje - em alguns blocos do interior, os carnavalescos ainda atiram água, confete e farinha uns nos outros. Na maior parte da história do Brasil, o carnaval foi uma algazarra deliciosamente sem noção.

Mas suponha que, de repente, um ditador bem metódico, militar e fascista, um ditador como o italiano Benito Mussolini, aliado de Hitler na Segunda Guerra Mundial, tivesse o direito de regular essa bagunça para
torná-la orgulho da nação. Como seria o carnaval organizado por Mussolini?

Imagino que não haveria personagens trocados, arremessos de bolas de cera ou guerrinhas d’água. Como em um desfile patriótico, os carnavalescos marchariam em linha reta, com tempo metodicamente marcado para cada evolução. Passariam diante das autoridades do governo e de jurados, que avaliariam a disciplina, o figurino e a média de acertos dos grupos, dando notas até dez. A organização do carnaval permitiria apenas músicas edificantes e patrióticas. Para ressaltar a pátria e deixar de fora a influência estrangeira, a melodia só poderia ser executada por instrumentos considerados da cultura nacional. Se adicionarmos algumas celebridades quase nuas e muitas penugens, o cenário fica parecido com a Sapucaí. Foi mais ou menos assim que nasceu o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Seu formato atual deve muito a costumes e ideologias fascistas da década de 1930, além do interesse do presidente Getúlio Vargas de misturar sua imagem à cultura nacional e popular, exatamente como Mussolini fazia na Itália. Já havia desfiles em sociedades carnavalescas no começo do século 20, é verdade, mas a maioria das regras da apresentação moderna nasceu com o fascismo.

Em 1937, ano em que o governo de Vargas se tornaria uma ditadura bem parecida com a italiana, foi instituído que todos os sambas-enredos deveriam homenagear a história do Brasil. As primeiras regras de avaliação e ordem do desfile nasceram dois anos antes, quando o interventor federal do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto, começou a dar dinheiro para as escolas. A apresentação ocorria na Avenida Rio Branco, o mesmo local onde as demonstrações militares comemoravam a Independência todo dia 7 de setembro. Os instrumentos de sopro foram proibidos. Só poderiam participar entidades registradas como sociedades recreativas civis.

Esse carnaval disciplinado e patriótico não nasceu só por imposição do governo: os grupos também aderiram espontaneamente a ele. A Deixa Falar, primeira escola de samba de que se tem notícia, desfilou em 1929 usando comissão de frente cavalos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Três anos depois, o samba-enredo da escola era Primavera e a Revolução de Outubro, em homenagem à tomada de poder de Getúlio Vargas em outubro de 1930. A apresentação contou com participantes vestidos de militares. Não fosse a influência do fascismo italiano, o famoso desfile do carnaval brasileiro não existiria. E, sem ele, o samba que conhecemos hoje seria também muito diferente. O mesmo patriotismo que deu um empurrão ao desfile de carnaval provocou a folclorização do samba.

O SAMBA ANTES DO FOLCLORE

Costuma-se contar a história do samba em dois momentos opostos.

O primeiro, quando os sambistas eram perseguidos pela polícia - que reprimia manifestações culturais dos negros - e obrigados a tocar escondidos, em vielas dos morros e fundos de quintal. No segundo momento acontece o contrário: o governo passa a incentivar o carnaval e as músicas populares. Em 1995, com a publicação do livro O Mistério do Samba, o antropólogo Hermano Vianna revelou que a mudança de postura com relação à música não aconteceu assim tão de repente. Estilos negros e populares faziam parte de festas dos ricos e famosos séculos antes de o desfile das escolas de samba virar uma festa oficial. Em 1802, por exemplo, o comerciante inglês Thomas Lindley escreveu que as festas dos baianos ricos eram animadas pela ”sedutora dança dos negros, misto de coreografia africana e fandangos espanhóis e portugueses”. Até mesmo em Portugal os músicos populares brasileiros eram bem recebidos. No fim do século 18, poucos anos antes de a corte portuguesa fugir para o Brasil, o músico Caldas Barbosa, mestiço filho de uma escrava, encantou a corte de dona Maria Primeira, a rainha louca, tocando lundus.

Hermano Vianna revelou também que o samba, em sua origem, tinha muito pouco de folclórico ou nacionalista. Os estilos europeus fazem parte da raiz ancestral do samba tanto ou mais que a percussão africana. Os primeiros sambistas liam partituras, tocavam instrumentos clássicos, participavam de bandas de jazz, adoravam ouvir tango e conhecer as novidades musicais nos cabarés parisienses. A cara que o samba tem hoje, de símbolo da ”autenticidade brasileira” e da resistência da cultura negra dos morros cariocas, é uma criação mais recente, que de certa forma abafou a primeira. Afirma Vianna em O Mistério do Samba:

O samba não se transformou em música nacional através dos esforços de um grupo social ou étnico (o ”morro”). Muitos grupos e indivíduos (negros, ciganos, baianos, cariocas, intelectuais, políticos, folcloristas, compositores eruditos, franceses, milionários, poetas - e até mesmo um embaixador Americano) participaram, com maior ou menor tenacidade, de sua ”fixação” como gênero musical de sua nacionalização. Os dois processos não podem ser separados. Nunca existiu um samba pronto, ”autêntico”, depois transformado em música nacional.

Um exemplo de que o primeiro samba não tinha nada de folclórico são dois pioneiros desse estilo musical: Pixinguinha e Donga, que em 1917 registrou o primeiro samba gravado na história. Os dois começaram a tocar juntos na década de 1910, provavelmente na casa da baiana Hilária Batista da Silva, a tia Ciata, na Praça Onze, centro do Rio de Janeiro. O quintal dessa casa é frequentemente apontado como ”berço do samba”, o lugar que abrigou o nascimento mítico desse novo estilo musical. Negra baiana que migrou para o Rio ainda no século 19, Ciata vendia doces vestindo turbante e saia do candomblé. Era a típica figura que inspirou a ala das baianas do desfile das escolas. À noite e nos fins de semana, músicos, políticos, intelectuais, jornalistas e amigos iam para o samba na casa dela - até então, ”samba” significava um evento, uma festa e não um tipo de música. O novo estilo saiu da criatividade daquele grupo de amigos.

Acontece que as composições que surgiram da casa da baiana tinham muito pouco do samba que hoje anima a Sapucaí. Lembravam mais o maxixe, o ”tango brasileiro”, ritmo dançado a dois derivado de polcas europeias. Instrumentos de sopro eram comuns - com sua flauta, Pixinguinha era um dos protagonistas daquelas festas. O escritor Mário de Andrade, no livro Música de Feitiçaria do Brasil, escreveu que a própria tia Ciata ”passava os dias de violão no colo inventando melodias maxixadas”.

Pelo Telefone, grande sucesso daquele grupo, também lembra mais o maxixe que a percussão das escolas de samba. Apesar de ter sido provavelmente uma criação coletiva, foi registrado por Donga, estourando no carnaval de 1917. ”Fiz o samba, não procurando me afastar muito do maxixe, música que estava bastante em voga”, contou o sambista décadas depois. Os músicos da casa da tia Ciata tampouco se achavam defensores de uma etnia, de uma tradição ancestral ou de um símbolo nacional. Pelo Telefone citava uma tecnologia e um jogo tão novos para aquela época quanto o GPS portátil e o pôquer online um século depois: ”O chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar que na Carioca tem uma roleta para se jogar”.

Em 1919, Donga e Pixinguinha criaram a banda. Os Oito Batutas para animar a sala de espera do Cine Palais, no Rio de Janeiro. Essa banda foi a primeira a divulgar o samba pelo mundo. Seus integrantes tocavam piano e instrumentos de sopro, apresentavam-se vestindo ternos e sapatos engraxados - o grupo lembrava uma jazz band americana. Como um conjunto de festas de casamento e formaturas nos dias de hoje, tocavam de tudo: lundus, polcas, batuques, músicas sertanejas, maxixes e sambas. Esse repertório eclético rendeu a eles shows pelo mundo. Os Oito Batutas se apresentaram para os reis da Bélgica quando visitaram o Brasil, na embaixada americana (o embaixador admirava o grupo), no pavilhão da fábrica da General Motors e até mesmo para a princesa Isabel e a família real brasileira em exílio na França. Entre fevereiro de 1922 e abril de 1923, passaram seis meses tocando na boate Le Schéhérazade, de Paris, e outros seis se apresentando em teatros de Buenos Aires. Durante a viagem à França, entre cafés e cabarés cheios de novidades musicais, eles se apaixonaram pelo jazz. Ainda em Paris, Pixinguinha ganhou um saxofone de presente. ”Alguns anos mais tarde (fins de 1927), os Oito Batutas circulam pelo sul do Brasil”, conta o antropólogo Luís Fernando Hering Coelho. ”O programa da apresentação no Teatro Álvaro de Carvalho, em Florianópolis, no dia 28 de agosto de 1927 os anuncia como Jazz-Band Os Batutas, e no repertório há sambas, marchas, emboladas, maxixes, e músicas do repertório jazzístico como Who?, Beautiful Girl, Black Bottom, One Step.”

Também era fascinado pela música internacional o flautista, pianista e violonista Sinhô. Uma espécie de Roberto Carlos da década de 1920, Sinhô tinha o apelido de ”o rei do samba”. Deve-se a ele a fixação do samba como um estilo musical que pôde ser descoberto pelas gravadoras de discos. ”O que há de mais povo e de mais carioca tinha em Sinhô a sua personificação típica”, escreveu o poeta Manuel Bandeira, admirador do sambista. Sinhô encantou o Rio de Janeiro compondo valsas, maxixes, fox, charleston, toadas, fados, e chegou a gravar sambas com orquestras. Essa ”personificação típica” do povo ligava pouco para a arte popular. Suas marchinhas carnavalescas eram quase cópias de canções europeias. Numa tarde de 1920, quando tentava divulgar partituras de suas músicas na Casa Beethoven, no Rio de Janeiro, ouviu uma freguesa assobiar a valsa francesa C’est pas Difficile. Fascinado com a canção, foi para casa e tentou repetir a melodia no piano. Trocando algumas notas e adicionando outras, criou a marchinha Pé de Anjo, caçoando do pé grande de China, irmão de Pixinguinha. A música foi o hit do carnaval de 1920.

Assim era o samba brasileiro — inspirado nas novidades europeias e americanas e formado por instrumentos de sopro e piano - até uma ideologia antiga ganhar músculos por aqui: o nacionalismo. Contorcendo a cabeça dos artistas, o nacionalismo provocou o nascimento de um novo samba. Antes de chegar a esse novo estilo musical, é bom dar uma volta pelo tipo de nacionalismo que nasceu no Brasil e o modo como ele criou a imagem que hoje temos do país.

O SAMBA DEPOIS DO FOLCLORE


Durante a garimpagem daquilo que era exótico na cultura brasileira, a primeira leva do samba era cosmopolita demais. No decorrer da década de 1920, Pixinguinha, Donga e Sinhô levaram pedradas da crítica porque suas composições pareciam pouco brasileiras. Em 1928, o crítico Cruz Cordeiro, da revista Phono-Arte, condenou a influência estrangeira em duas composições de Pixinguinha e Donga: Não podemos deixar de notar que em suas músicas não se encontra um caráter perfeitamente típico. A influência das melodias e mesmo do ritmo das músicas norte-americanas é, nesses dois choros, bem evidente.

Este fato nos causou sérias surpresas porquanto sabemos que os compositores são dois dos melhores autores da música típica nacional. Dois anos depois, Cruz Cordeiro, prestes a virar diretor artístico da RCA Victor, a principal gravadora do país, não recomendou a seus leitores o disco que continha nada menos que Carinhoso, a obra-prima de Pixinguinha. Seus argumentos: Parece que o nosso popular compositor anda muito influenciado pelo ritmo e pela melodia da música de jazz. É o que temos notado desde algum tempo, mais de uma vez. Nesse seu choro, cuja introdução é um verdadeiro fox-trot, apresenta em seu decorrer combinações da música popular yankee. Não nos agradou.

Essa patrulha ideológica predominava. O próprio Mário de Andrade participou dela. Em cartas e artigos do fim da década de 1920, ele fala várias vezes da importância do folclore para a música brasileira. Numa carta ao escritor Joaquim Inojosa, diz que ”o compositor brasileiro tem de se basear quer como documentação quer como inspiração no folclore” porque senão ”não faz música brasileira não”. Chega até a usar a expressão ”influência deletéria do urbanismo”:

Nas maiores cidades do país, no Rio de Janeiro, no Recife, em Belém, apesar de todo progresso, internacionalismo e cultura, encontram-se núcleos legítimos de música popular em que a influência deletéria do urbanismo não penetra. Um episódio demonstra como os intelectuais modernistas selecionaram só o que era exótico na cultura brasileira. Na década de 1920, Mário de Andrade conheceu Pixinguinha durante uma apresentação dos Oito Batutas em São Paulo. O escritor se interessou pouco pela música do grupo: queria mesmo era saber de folclore. Estava escrevendo Macunaíma e precisava conversar com algum negro que lhe desse detalhes dos rituais de macumba. Pixinguinha explicou como o candomblé funcionava e acabou virando personagem do romance de Mário de Andrade. Ganhou no livro um retrato folclórico: ”negrão filho de Ogum, bexiguento e fadista de profissão”. O trecho aparece no sétimo capítulo, quando Macunaíma vai a um terreiro de macumba do Rio de Janeiro da mãe de santo tia Ciata, aquela em cuja casa nasceu o samba. Na vida real, ela não era exótica: casada com um funcionário público, fazia das recepções em casa ocasiões
sociais frequentadas por jornalistas e políticos. Mas, no livro, também aparece folclorizada, como uma sinistra mãe de santo, ”negra velha com um século de sofrimento, javevó e galguincha com a cabeleira branca esparramada”.

A macumba para turistas que tanto fascinava os escritores logo teve um equivalente musical. Trata-se do ”samba do Estácio”, estilo surgido no fim da década de 1920. Ao contrário das músicas da primeira leva, as novas não lembravam o maxixe, e sim a marcha, pois a melodia era pontuada e tamborins e surdos. Muito praticadas em bares e morros como os do Estácio e da Mangueira, eram uma ”maneira mais rudimentar de fazer samba, recorrendo muito ao improviso e a técnicas ’primitivas’, se comparadas às desenvolvidas por sambistas e chorões, como Donga, Sinhô e Pixinguinha”. O estilo ainda facilitava o desfile das escolas, como contou, em 1974, o sambista Ismael Silva, um dos fundadores da escola de samba Deixa Falar. ”No estilo antigo, o samba era assim: tan-tantan-tan-tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar assim na rua? Aí a gente começou a fazer um samba assim: bumbum paticumbumpruburundum.”

Os novos sambistas iam conscientemente contra o estilo anterior. Exaltavam a periferia e os morros do Rio apesar de muitos deles serem brancos e terem uma origem mais abonada que os sambistas da primeira geração. Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, autor de clássicos tanto da primeira quanto da segunda leva (ajudou a escrever a letra de Carinhoso e de marchinhas clássicas, como Chiquita Bacana e Balancê) era filho de um industrial e estudava arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes. Noel Rosa, o mais criativo dos compositores de sambas do Estácio, estudou no tradicional Colégio de São Bento e chegou a entrar na faculdade de Medicina. Como outros sambistas dessa geração, Noel Rosa adotou o marketing da pobreza, fazendo de si um representante da periferia carioca. ”Noel vestiu rigorosamente o figurino do samba do Estácio e desconsiderou o resto. Em seus sambas ocorrem várias saudações a quase todos os recantos do samba no Rio de Janeiro, quase todos ligados às recentes escolas de samba e que faziam sambas nos moldes do Estácio: Mangueira, Salgueiro, Osvaldo Cruz, Madureira etc.”, escreveu o historiador José Adriano Fenerick. ”No entanto, Noel nunca se referiu à Cidade Nova, local de onde saíram os sambistas da geração de Donga e Pixinguinha, como sendo reduto de bambas. Ele, num primeiro momento, desloca o samba do fundo das casas das tias baianas para o morro e o subúrbio [...].”

O marketing da pobreza deu certo. No meio da década de 1930, o novo estilo já carregava a imagem de expressão cultural dos morros e dos negros. Tinha se tornado folclore, um valor cultural que deveria ser preservado e protegido de influências externas. Em 25 de fevereiro de 1936, o jornalista Carlos Lacerda escreveu no Diário Carioca:

O samba nasce do povo e deve ficar com ele. O samba elegante das festanças oficiais é deformado: sofre as deformações na passagem de música dos pobres para divertimento dos ricos. O samba tem de ser admirado onde ele nasce, e não depois de roubado aos seus criadores e transformado em salada musical para dar lucros aos industriais da música popular. O samba é música de classe. O lirismo da raça negra vive nele. Já nessa época, Carlos Lacerda falava da música dos pobres como se ela fosse o samba original, que luta para não ser deformado pelo capitalismo. Na verdade, aconteceu o oposto. O samba nasceu com músicos que queriam ganhar a vida e agradar o público, e não fazer autoetnografia. ”O interessante é que o ’autêntico’ nasce do ’impuro’, e não o contrário, mas em momento posterior o ’autêntico’ passa a posar de primeiro e original, ou pelo menos de mais próximo das ’raízes’”, afirma o antropólogo Hermano Vianna no livro O Mistério do Samba. Ele acrescenta: Não se pode dizer que as escolas de samba fossem fenômenos puros, mas se criou em torno delas um aparato que defende essa pureza, condenando toda modificação introduzida no samba.

Os primeiros sambistas, aqueles que também tocavam jazz e maxixe, morreram irritados com os músicos do morro. Em janeiro de 1930, Sinhô se queixou ao jornal Diário Carioca:

A evolução do samba! Com franqueza, eu não sei se ao que ora se observa, devemos chamar evolução. Repare bem as músicas deste ano. Os seus autores, querendo introduzir novidades ou embelezá-las, fogem por completo ao ritmo do samba. O samba, meu caro amigo, tem a sua toada e não pode fugir dela. Os modernistas, porém, escrevem umas coisas muito parecidas com marcha e dizem ”samba”. E lá vem sempre a mesma coisa: ”Mulher! Mulher! Vou deixar a malandragem”. ”A malandragem eu deixei”. ”Nossa Senhora da Penha”. ”Nosso Senhor do Bonfim”. Enfim, não fogem disso.

No fim dos anos 1960, o jornalista Sérgio Cabral (pai do governador do Rio de Janeiro) testemunhou um debate entre Donga, o rei do primeiro samba, e Ismael Silva, cofundador do segundo estilo. A discussão começou quando os dois tiveram que responder à pergunta: ”Qual o verdadeiro samba?”

DONGA: Ué, samba é isso há muito tempo:
O chefe da polícia
Pelo telefone
Mandou me avisar
Que na Carioca
Tem uma roleta para se jogar...

ISMAEL: Isso é maxixe!

DONGA: Então o que é samba?

ISMAEL: Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é
Para fingir, mulher
A orgia, assim não vou deixar

DONGA: Isso é marcha!
 
Apesar do desdém dos velhos compositores, o samba do Estácio, acompanhando o enredo das escolas, ganhou o país pelas rádios e como propaganda de Getúlio Vargas. Grupos de samba faziam parte de apresentações folclóricas de eventos oficiais, ao lado de danças indígenas. A Hora do Brasil, programa criado pelo governo Vargas, incluía sambas das escolas na sua programação. Em 29 de janeiro de 1936, a Estação Primeira de Mangueira comemorou o fato de seus sambas terem sido transmitidos, numa edição especial do programa, para a rádio nacional da Alemanha nazista. Enquanto censurava rádios e jornais, amedrontava escritores e artistas e proibia imigrantes europeus de falar línguas estrangeiras em público, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) financiava nos blocos de carnaval e concursos carnavalescos. A transformação do samba de música regional a ícone nacional deve muito a Getúlio Vargas. Mas não só a ele. Também é resultado da influência de outro personagem famoso: o Pato Donald.

No fim da década de 1930, o samba se confundia tanto com o Brasil que foi possível existir uma criatura estranha — o samba-cívico. Os músicos adulavam o país e o presidente. A composição É Negócio Casar, composta por Ataulfo Alves e Felisberto Martins, em 1941, fala que ”O Estado Novo veio para nos orientar. No Brasil não falta nada, mas precisa trabalhar”. Salve 19 de Abril, criado em 1943, comemora o aniversário de Getúlio Vargas, que segundo a música ”veio ao mundo porque Deus quis, o timoneiro que está com o leme do meu país”. Ministério da Economia, também de 1943, conta que as coisas melhoraram: ”Sua Excelência mostrou que é de fato, agora tudo vai ficar barato, agora o pobre já pode comer, até encher”.O grande clássico do samba cívico foi Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Composto seis anos depois que Gilberto Freyre publicou Casa-Grande e Senzala, a letra já associava o Brasil aos mulatos: ”Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos”. A música de Ary Barroso estourou no Brasil pouco antes de Walt Disney, criador do Mickey e do Pato Donald, fazer uma visita ao Rio. Acabou virando trilha sonora do desenho animado Alô, Amigos, de 1942. No desenho, o Pato Donald conhece um novo personagem, chamado Zé Carioca. Os dois amigos andam por um calçadão carioca, tomam cachaça - o Pato Donald engasga com a bebida enquanto Zé Carioca toca uma caixinha de fósforo - e sambam com Carmen Miranda. Nada poderia ser mais significativo para os brasileiros. Na década de 1940, o Brasil era rural e pobre - não participava da lista das trinta maiores economias do mundo. De repente, a nação que poucas décadas antes se considerava uma reunião de párias e degenerados ganhou uma homenagem da Disney, referência artística de um dos países mais poderosos. O transtorno bipolar chegou ao pico de euforia.

Foi assim que o samba virou o símbolo da nação e do povo brasileiro. Sua ascensão tem pouca coisa de pura e autêntica: veio da variação de um estilo anterior, nacionalizou-se com a obsessão dos artistas com o exótico, o interesse de um presidente fascista e a influência de um desenho animado. Uma música não é necessariamente ruim por ter surgido desse jeito - afinal de contas, se existir algum estilo original ou puro, ele
deve ser chatíssimo. Não é exatamente o samba que é chato de ouvir, e sim tanta gente propagando a ladainha de que ele remete à raiz autêntica brasileira.

Sobretudo porque isso faz mal à música. Em outros países com cultura negra, a música popular não fez cara feia para modernidades e se ligou na tomada, adotando instrumentos eletrônicos. O jazz, apesar de ter sido usado como propaganda americana, não se tornou ícone de identidade nacional dentro do país. Isso deixou o estilo livre para se misturar e se diversificar - ainda hoje renasce em tipos diferentes. No caso do samba, sempre que alguém tentou alterá-lo, levou pedradas. Em julho de 1940, no primeiro show no Brasil depois de uma temporada nos Estados Unidos, Carmen Miranda cantou sambas em inglês no Cassino da Urca. A plateia, cheia de políticos do Estado Novo, recebeu a cantora com um silêncio constrangedor (depois ela revidaria com a música ”Disseram que eu voltei americanizada...”). Quando João Gilberto misturou o samba com o jazz, criando a bossa nova, mais pedradas: o novo estilo seria resultado da ”alienação das elites brasileiras”, escreveu o crítico José Ramos Tinhorão.

Não é só o samba que sofre com esse patrulhamento. Uma crítica parecida atingiu o movimento mangue beat, criado pelo pernambucano Chico Science. O escritor Ariano Suassuna, enfadonho defensor da pureza cultural pernambucana, criticava (ainda na década de 1990) o criador do mangue beat por misturar a cultura do estado com coisas de fora. Como propuseram os integralistas décadas antes, Suassuna gostava apenas do que era folclórico - a parte ”Chico”. ”Com sua parte Science eu não quero negócio não”, dizia ao músico. Os próprios sambistas parecem obcecados em deixar o estilo numa jaula de vidro que todos devem apreciar. ”Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar”, afirma uma composição. ”Tá legal, eu aceito o argumento, mas não altere o samba tanto assim”, diz Paulinho da Viola.

Com tanta preocupação em cultuar o exótico, alguma escola de samba poderia homenagear o Blanka, personagem brasileiro no videogame Street Fighter dois. Nesse clássico dos fliperamas dos anos 1990, o jogador pode escolher seu lutador entre vários, cada um representante de uma nação. O japonês Ryu é o galã: especialista em artes marciais, luta com um quimono rasgado nos braços, deixando os bíceps à mostra. Ken, representante americano, também é uma pessoa normal. Nenhum jogador é tão fiel à pátria quanto Blanka. O brasileiro é um monstro corcunda com o corpo verde e o cabelo laranja, que dá choques elétricos como um peixe amazônico, chupa o cérebro dos adversários e parece mentalmente menos capaz. De tão exótico, feio e colorido, parece ter saído direto da Sapucaí.

Parece-me que o nosso querido historiador Marcos Vinícius acha que tal escritor está mais para louco, veja aqui

terça-feira, 1 de novembro de 2011