Há poucos meses, vivi um dos sonhos da classe emergente brasileira: paguei uns 18 carnês e fui conhecer a Europa pela primeira vez.
Em Berlim, cidade de onde aponta o dedo em riste de Angela Merkel para o restante dos vizinhos europeus atolados em dívidas, entrei em uma loja de departamentos, daquelas gigantescas nas quais você pode comprar desde um chaveirinho até um trator, se assim quiser (exagero, claro, mas não muito). Ressalto que esse negócio de crise pegou todo mundo pela Europa, mas a Alemanha discretamente vai muito bem, Danke.
Pois bem. Houve um momento dentro daquele templo de consumo (adoro esse clichê, soa sempre tão bonito) que meus ouvidos tupiniquins foram surpreendidos com a familiar melodia de um axé brasileiríssimo, um desses onomatopeicos que há pelo menos 15 anos rimam amor com calor com Pelô. Pensei na hora que o axé já teve momentos interessantes, lá no início dos anos 1990, e depois virou uma cópia de si mesmo que sobrevive até hoje.
Mas tudo passa, inclusive aquele axé, imediatamente sucedido por um rap americano moderninho, um desses cantados sempre por um sujeito com boné atolado na cabeça a fazer gestos com as mãos, cuja letra sempre dizia “Fuck! Fuck! Fuck!”, ou coisa parecida. Na sequência, enquanto eu circulava pela loja, a caixa de som soltou um rap alemão, também não muito criativo musicalmente, e uma daquelas canções meladas da Mariah Carey, que fez as louças da seção de cristais fazerem caretas inenarráveis enquanto lutavam para não explodir em depressão profunda com os agudos da cantora.
Aí veio a epifania, como se uma jaca caísse na cabeça de Newton: me incomodei com o brasileiríssimo axé no início, mas as músicas que vieram na sequência me fizeram sentir uma saudade imensa, milenar e total daquelas rimas de amor com calor com Pelô. A batida da música é animada e, numa festa, nos convida naturalmente a dar alguns passinhos, o que está longe de ser praxe na música lá fora. Então passei a ver vantagem.
A música brasileira desde muito é aplaudida pelo europeu, tanto aquela mais artística quanto a puramente comercial. Em 1989, Chico Buarque gravou um disco ao vivo em Paris, no teatro Le Zenith, que causou palpitações mil nos franceses. Na mesma época, o grupo Kaoma cantou que chorando se foi quem um dia só fez chorar alguém da banda, e também foi aplaudidíssimo pelos franceses, muitos dos quais também deveriam ser fãs de Chico Buarque.
E falei sobre tudo isso para chegar no Michel Teló, o cantor paranaense de sertanejo universitário (essa chancela de “universitário” para tipos musicais popularescos, só para tentar atrair as classes mais abastadas, ainda merece um tratado de sociologia sobre o Brasil atual) que se transformou talvez na maior febre musical da Europa nesse inverno de lá. Não preciso detalhar que Teló está muito mais para Kaoma que para Chico Buarque. O fato é que tem muita gente incomodada com o sucesso do sertanejo na Europa, como se ele fosse um embaixador vergonhoso da música brasileira.
O sucesso europeu de Teló surgiu quando o jogador português do Real Madrid, Cristiano Ronaldo, marcou um gol e saiu comemorando com a dancinha de “Ai se eu te pego”, o maior hit do cantor, na frente das câmeras junto com o jogador brasileiro Marcelo, seu amigo que apresentou-lhe a música. Aí foi um rastilho de pólvora: há versões da música em espanhol, inglês, holandês e italiano. E algumas outras virão por aí. Já é considerada em vários países a nova Macarena. Hoje, por toda a Europa, dificilmente existe uma festa sem “Ai se eu te pego”. Surrealmente, até o exército israelense entrou na onda: integrantes da sua tropa de elite fizeram um vídeo com a dancinha, o que causou celeuma em Israel.
Vale a piada de que a crise na Europa é tão feia que até o Michel Teló anda fazendo sucesso por aquelas bandas. Não gosto da música dele, como não gosto de Mariah Carey. Porém, se começarmos a selecionar música boa da ruim, inevitavelmente cairíamos em uma discussão autoritária e perigosa. Lá fora como no Brasil, há espaço tanto para a música boa e para a música ruim, e essa definição fica a critério de cada um. Eu tenho as minhas, o caro leitor terá as suas próprias. E que bom que os europeus estejam ouvindo os brasileiros. Se tem uma coisa que fazemos melhor que eles, certamente é música popular. Boa ou ruim.
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